Iniciativa
O poder do leite materno
Parceria entre UFPel e Furg deverá reduzir o volume de leite industrializado utilizado pelos recém-nascidos internados no Hospital-Escola da UFPel
Paulo Rossi -
Os benefícios são incontestáveis. Ao receber o leite materno, os recém-nascidos que permanecem hospitalizados - a maioria, prematuros - têm mais chances de recuperação. O período de internação pode ser encurtado. Em breve, um convênio entre o Hospital-Escola da Universidade Federal de Pelotas e o Banco de Leite Humano do Hospital da Universidade Federal do Rio Grande (Furg) deve beneficiar os bebês internados no HE-UFPel.
Com a pasteurização no município vizinho, o leite - devidamente congelado - poderá ser aproveitado por até seis meses. E o melhor: pode servir de alimento e de reforço na imunidade a vários pequenos. Não, necessariamente, apenas o filho daquela mãe com produção abundante.
A fase é de negociação entre as duas instituições, vinculadas à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). Ainda não há uma data para entrar em vigor, mas o convênio vem para coroar os bons resultados do forte incentivo ao aleitamento materno - conta a médica neonatologista Maria Amália Saavedra. Treinamento da equipe, posto de coleta 24 horas e auxílio de uma técnica de Enfermagem, durante a ordenha. O conjunto de medidas se converte em números. Positivos.
No último mês, o HE registrou recorde na coleta de leite materno: a média chegou a 1,1 litro por dia. Em maio de 2016, por exemplo, a quantidade diária oscilou entre 360 mililitros (ml) e 380 ml. Um salto que permite muito mais do que reduzir o uso de fórmulas de leite industrializado aos 13 bebês internados nas Unidades de Tratamento Intensivo (UTI) Neonatal e Semi-intensiva. "O grande ganho, com o leite materno, é no desenvolvimento neurológico, na imunidade e na qualidade de nutrientes", enfatiza a pediatra, chefe das duas unidades.
A importância do que está por vir
Os primeiros três dias de vida das pequenas Sophie e Pietra foram longe da mãe. A rio-grandina Jaqueline Farias de Lima, 34, estava em Piratini a passeio, quando um episódio de pré-eclâmpsia e um descolamento da placenta, com 33 semanas de gestação, se transformaram em cesária de urgência - na 1ª Capital Farroupilha - e forçaram o deslocamento imediato das gêmeas para Pelotas, na manhã de 28 de maio.
Só na quarta-feira, a professora teve a oportunidade de apreciar, com calma, os traços das filhotas. Uma espera que corrói. Um período em que não havia qualquer possibilidade de as duas se alimentarem com leite materno; ainda que servido no copinho ou por sonda. Sem a retaguarda de um Banco de Leite, responsável pelo processamento para eliminar todos os micro-organismos patogênicos, cada bebê só pode ingerir o leite da própria mãe.
Daí a importância da iniciativa que está por vir, com o convênio entre o Hospital-Escola da UFPel e o Banco de Leite Humano do Hospital da Furg. Depois de pasteurizado, mais do que ganhar a possibilidade de ficar armazenado por meses, o leite pode servir a vários bebês.
"Agora, só queremos receber alta. Saí para visitar a minha mãe naquele domingo e não voltei mais para casa", desabafa Jaqueline. Um momento idealizado por ela e pelo marido Thiago: poder chegar em casa, em quarteto.
Campanhas sensibilizam, mas ainda são insuficientes
O apelo tem ajudado: Um pouquinho do que você doa é tudo para quem precisa. Foi assim no Banco de Leite Humano do Hospital-Universitário da Furg, desde a campanha desencadeada pelo Ministério da Saúde, em maio. A média mensal, que é de 32 litros, pulou para quase 50 litros. Ainda assim, está abaixo do necessário para suprir a demanda dos dez leitos de UTI Neonatal, que é de, pelo menos 60 litros, por mês.
É um trabalho que mescla informação e sensibilização da comunidade. Afinal, toda a mulher que amamenta é uma possível doadora - lembra a coordenadora e responsável técnica do Banco, Grace Santos. Na última segunda-feira, a jovem Josiane da Costa Solano, 21, realizava a segunda coleta, ainda sob o efeito do nascimento prematuro do primogênito Gabriel, que chegou ao mundo com 1,395 quilo: "Tô em choque ainda", resume.
Ao cruzar de lancha para Rio Grande, no sábado, devido a alterações de pressão e inchaços, a nortense não imaginava que teria de ficar internada. Muito menos que o pequeno nasceria com 31 semanas de gestação: "Descobrimos que ele não estava se alimentando e tive que fazer uma cesária", conta, diante do turbilhão de inseguranças. E, agora, para que pequenos, como Gabriel - que ainda não podem ir ao peito devido ao baixo peso - possam alimentar-se exclusivamente de leite materno, você pode ajudar a fazer a diferença.
Um exemplo a ser seguido
Foram 39 dias de espera e de angústia até a alta, em 21 janeiro. A uruguaia Susi Virgiñia de Castro Ferreira, 20, agarrou-se ao elo construído durante a hospitalização do pequeno Axel Jeremy e acabou por se tornar uma das principais doadoras de leite materno do Banco. Não raro é com a cria nos braços - já com seis meses e 6,650 quilos - que a jovem faz a ordenha. Farta. A média é de, pelo menos, um vidro doado por semana.
Ao receber o Diário Popular em casa, na praia do Cassino, Susi lembrou das intercorrências superadas pelo filho. Da anemia à parada respiratória. E, entre sorrisos e lágrimas, falou na decisão de retornar para a cidade de Lascano - próximo ao Chuy -, depois de um ano em solo rio-grandino.
Um tempo e uma cidade para guardar na memória. O parto normal, na madrugada daquele 13 de dezembro.
As inúmeras vezes em que teve vontade de arrancar o filho da incubadora e correr para casa, ao lado do marido Charles. Os muitos filhos de leite que, por certo, deixa por aqui. "Nunca fiz isso para que me agradecessem. Imagino que, muitas vezes, foi o leite de alguma outra mãe que o meu filho também tomou", diz e o amamenta. Um alimento sagrado.
Saiba mais
- Principais benefícios do leite materno - Além de ser de fácil digestão, protege o bebê de infecções, diarreias e alergias. Deve ser alimento exclusivo até os seis meses de idade.
- Cuidados até a pasteurização do leite humano
* Os primeiros três passos - O leite passa por análise do aspecto visual, de odores e também do nível de acidez. Diante de qualquer alteração, é descartado.
* Valor calórico - O padrão calórico também é observado, para que o bebê possa ingerir o leite com as características de que necessita. O colostro - produzido durante os primeiros sete dias -, por exemplo, possui aporte maior de proteínas e é importantíssimo para elevar a imunidade dos recém-nascidos, principalmente, os de baixo peso.
* Processamento - O choque térmico é a quinta fase do processo. É fundamental para exterminar micro-organismos patogênicos e eliminar os riscos para o bebê que receberá o leite.
- Diferentes tempos para consumo
De mãe para filho
* Cru - Só pode ser consumido, sob refrigeração, por até 12 horas.
* Congelado - Pode ser consumido no intervalo de até 15 dias. Para descongelar, o banho-maria deve ser feito fora do fogo.
Depois da pasteurização - Pode ser aproveitado por até seis meses. E o melhor: pode ser consumido por diferentes bebês. É a grande vantagem, se considerados os casos em que as mulheres estão impedidas de amamentar seus filhos, como as portadoras do vírus HIV. Por questão emocional, é comum as mães de bebês hospitalizados também levarem alguns dias para normalizarem a produção de leite.
- Quando pouco é muito - Um pote de leite materno doado pode alimentar até dez recém-nascidos por dia. Conforme o peso do prematuro, 1 ml já é o suficiente para nutri-lo a cada vez que for alimentado. Portanto, qualquer quantidade doada é importante - reforça a nutricionista Grace Santos.
- Único na Zona Sul - O Banco de Leite Humano do Hospital-Universitário Doutor Miguel Riet Corrêa Júnior, da Furg, é um dos nove do Rio Grande do Sul e o único do Sul do Estado. Para fazer doações de leite à instituição, um dos pontos imprescindíveis é apresentar a carteira de pré-natal. Há, entretanto, uma série de cuidados a observar na hora da ordenha, como uso de máscara e touca. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (53) 3233-8880.
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